As Feiras Novas ornamentadas de futuro
Em setembro as badaladas festivas dos sinos propagam o
fervilhar dos ensejos pelo primeiro dia, dos três de sempre, das festividades anunciadas
no estalejar dos foguetes da alvorada, que despertam paixões de folia, de
cantares e de amores sonhados no travesseiro da romaria engalanada de tradições
e perfumada de costumes do minho dos tons verdes da esperança e da liberdade.
No futuro do mundo melhor, que há-de chegar, as feiras
novas anunciadas pelos homens e pelas mulheres de trabalho lá do cimo do arco
da porta-nova, festejam-se com vinho verde servido das canecas de loiça fina,
produzidas pela arte das mãos dos operários das fábricas de cerâmica, e bebido
nas tigelas que deixam ficar um rasto de bigode do néctar esguichado pela
torneira das pipas de madeira talhadas pelos tanoeiros com pancadas firmes
calejadas na labuta a darem o mote à arte ao vivo dos artesãos que com
criatividade decoram as artérias dos percursos dos novos caminhos desta romaria
venturosa abraçada pelo povo fiel do minho.
Lá dos cantos do coração bordado do minho vêm as gentes de
todas as idades, pura cêpa da montra das tradições genuínas, elegantemente
trajados com as roupas de linho, de algodão ou de estopa e, os vistosos lenços
estampados, a colorir a alegria dos terreiros da festa, marcando a pauta da
essência das Feiras Novas, que fazem o requinte da beleza e o deslumbramento
dos olhares forasteiros.
Avistamos as ruas, os largos e as praças, estampadas com
pigmentos de cores alegres, misturadas com o roxo e o amarelo da bandeira
limiana, numa coloração ornamental e de luz, projectadas, nos espaços dos
caminhos cintilantes de cenários renovados de o bom do velho com o novo do provir,
guardado no cantinho festivo da folia das gentes do campo, das vilas e das
cidades.
Com vénias de chapéu alto descem a rampa do pinheiro ao
largo dos coretos, em balançar cerimonioso os gigantones e os cabeçudos em
animada corte à aparentada “maria de ponte”, figura mítica de simbolismos “desamarrada para mostrar a força das
tradições minhotas, com traços do passado e sonhos de futuro”, contagiando
todos os foliões com os seus ritmos e alegria.
Naquele advir, o areal está reposto de areias finas
reluzentes e vidradas que emolduram as águas transparentes do rio. As tendas;
ordenadas com os toldos brancos, irradiam azafamas de mercar, as frutas dos
pomares das nossas aldeias, deixam no ar o aroma do campo, as galinhas, os
coelhos, os bacorinhos são a mostra viva do renascer da agricultura no pregão
das lavradeiras e dos lavradores; a venderem os produtos das colheitas
agrícolas certificados pela técnica cientifica de novas sabedorias das outrora
feiras das trocas.
Acolá; da frondosa avenida das avenidas, engalanada com
honra e preceito, vem a ressonância dos ecos do cantar ao desafio no mercado
municipal, reconstruído com a sua traça original. Nos despiques de desgarrada o
cantador em pose traquina, afiando a bigodaça; atira: tem cuidado oh desafiador,
que o verde vinhão, na malga de porcelana, com riscas da cor do céu, pode ter
espinhos; ao depois ficas engasgado, não podes respingar mais, a armação da
treta, das quadras sem rima. – O desafiador em bico de pés, todo emproado; na
brilhantina do penteado, replica: oh cantador não me venhas, com tretas de
mosca morta, deixa-te de faenas de trauliteiro; neste meu desafiar te digo, não
sou homem de medos, pego na tigela, boto meio-quartilho; de verde tinto,
brindando ao povo humilde, que não se cansa, de labutar pela vida melhor -.
Além-do-rio; pelo tapete lajeado das pontes, chega a charanga
das “marias dos arraiais” a cantar a nova versão de ao passar a ribeirinha pus
o pé, e molhei a meia; a multidão num mar da vida, ecoa a tradição das cantigas
de amigo e de amor; iluminadas no jogo de luzes das janelas enfeitadas. Do lado
da alameda dos feirantes; sobe a rusga do “zé do laço” a trautear ó malhão,
malhão, a puxar um vira minhoto bem batido pela noite adentro até á hora do imponente
arraial de fogo-de-artifício.
Ali-à-frente; no terreiro da fonte de são João, está pegada
a serenata brindada pela escola de cavaquinhos “Barros & Quintelas” dedilhando
sublimes trechos musicais de cordas afinadas, em apaixonados acordes de
declarações de amor, a namorarem as cantigas folclóricas da cultura popular,
que fazem o encanto dos rapazes e das raparigas que se galanteiam em olhares sedutores
de noites namoradeiras em dias de romaria.
Aqui e agora; pela passadeira vermelha das partituras da arte
musical, desfilam as bandas; procriadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
que ao som da cadência do compasso de toque de caixa vão a caminho do cenário
maior, o Coreto, para tocarem sem perturbações de sons alheios ou ruídos
poluentes durante a sua actuação, as peças que deliciam as emoções dos apreciadores
da arte secular da execução das obras musicais das bandas filarmónicas.
Com arruadas de culto pautadas em tributo de vibrações
musicais damos mote ao trecho das notas escritas, que são fraguadas no Ensaio
sobre a história das Bandas Filarmónicas: “Ao
compararmos os programas das actuações das bandas no momento presente com os de
há um século ou mais, vemos que os seus níveis subiram a um ponto em que as
diferenças entre as profissionais e as amadoras se esbateram. Isso contribuirá
para o aumento da cultura das pessoas e para o seu bem-estar real, na medida em
que a música é a arte que mais benefícios produz na saúde e contribui para a
libertação de cada qual”.
Ao final; já com os acordes da melodia “quero ir às feiras novas” a bailar nos corpos fatigados, os moços
tirando os chapéus, fazem promessas de folia às formosas moçoilas que com os
lenços estampados de cores minhotas na cabeça, para se protegerem do sol que
nasce todos os dias para todos nós, juram, com contas de fios dourados, preservarem
as raízes das tradições populares e genuínas da romaria mais querida das gentes
de pura cêpa que trazem nas entranhas as Feiras Novas ornamentadas de futuro.
Hoje no mundo globalizado, desordenado e desumanizado
formatado para apagar a memória dos povos com a falácia de que os tempos são
outros. É de pergaminhos em defesa dos usos e costumes apregoar aos quatro
ventos que os tempos verdadeiros são sempre modernos e construídos da memória
histórica, não seria de bom-tom ignorar o que nos ensinaram os mestres “esquecer
o passado é comprometer o futuro”, portanto feiras novas sem memória deixarão
de ser as Feiras Novas de todos os tempos.
Ponte de Lima, 27 de agosto de 2016
Tarquínio Vieira