27 DE MARÇO DE 2013
Escreveu
o General Pezarat Correia no seu blogue "aviagemdoargonauta.net"
sobre Álvaro Cunhal:
"No passado sábado, 23 de Março, numa Aula Magna
da Reitoria da Universidade de Lisboa completamente lotada, teve lugar uma
sessão cultural evocativa da figura de Álvaro Cunhal, que inicia um ano
dedicado às comemorações do centenário do seu nascimento. Não pertencendo nem
nunca tendo pertencido ao Partido Comunista Português (PCP) situo-me, porém, no
grupo daqueles que consideram que o PCP se inscreve na área política que
gostariam de ver o povo português escolher para liderar os destinos do país.
Aqui fica o meu registo de interesses para que não haja equívocos com esta nota
no GDH.
Com muito gosto aceitei o convite que me dirigiram
para integrar a Comissão Promotora e estive presente na Aula Magna onde, entre
muitas vantagens, beneficiei da oportunidade de ouvir mais um magnífico
discurso do reitor da Universidade, professor Sampaio da Nóvoa.
Guardo de Álvaro Cunhal, do cidadão, do resistente e
precursor do 25 de Abril, do político, do estadista, do intelectual
multifacetado, um profundo respeito. Particularmente agora, quando as figuras
menores que têm passado pelo poder sem honra e sem dignidade vêm aviltando a
imagem dos políticos e da democracia – e este é dos pecados maiores que lhes
devem ser cobrados –, é justo e é pedagógico, evocar alguém que se empenhou
profundamente na política sem mácula, sem cedências susceptíveis de violarem os
princípios, os valores, os compromissos. Álvaro Cunhal era uma referência para
quantos, independentemente dos sectores ideológicos e partidários em que se
situassem, cultivavam o rigor na gestão da polis, na política, porque era de
uma enorme exigência. Mas começava por ser exigente consigo próprio.
Concordasse-se ou discordasse-se dele, confiava-se nele.
Recordo que, quando partilhei algumas
responsabilidades no país e, com os meus camaradas, discutíamos ou analisávamos
a situação política, o sentimento generalizado em relação a Álvaro Cunhal era o
de que se tratava de um homem de carácter, credível no que dizia, fiável
naquilo com que se comprometia. Aí pela década de 90, quando eu já estava
reformado da vida militar e Álvaro Cunhal já deixara a liderança do PCP,
encontrávamo-nos, não com muita frequência mas com alguma regularidade, por
vezes com mais dois ou três amigos. Eram conversas privadas,
interessantíssimas, trocas de impressões passando em revista as conjunturas
nacional e internacional. E Álvaro Cunhal gostava de frisar o que mais o
marcara quando teve de lidar com os militares na política no período
revolucionário e nos anos em que perdurou o Conselho da Revolução e um militar
na presidência da República: eram homens de palavra. E isso fora decisivo na
manutenção de relações de respeito mútuo.
Há um aspecto que não posso deixar de registar. Hoje,
quando a União Europeia navega em águas agitadas sem rumo perceptível e em que
os chamados países periféricos sofrem as consequências de decisões que parecem
tudo menos inocentes, é oportuno recordara voz lúcida de Álvaro Cunhal que na
altura muitos acusaram de “velho do Restelo”. Quando os responsáveis políticos
embandeiravam em arco com a adesão à Comunidade Económica Europeia e a entrada
no “clube dos ricos”, quando a maioria do povo português embarcava na euforia
da festa das remessas dos fundos estruturais e se empanturrava em betão a troco
do abandono da agricultura, da extinção da frota pesqueira, do esvaziamento da
marinha mercante, do encerramento de indústrias de base, Álvaro Cunhal alertava
e repetia: os portugueses irão pagar isto. Era ouvido com cepticismo. Não me
excluo, a palavra de Álvaro Cunhal levava-me a refletir, mas deixava-me
dúvidas.
Álvaro Cunhal tinha razão. Os portugueses estão a pagar
isso."
25 de Março de 2013
Publicada por José Alberto Lourenço à (s) Quarta-feira, Março 27, 2013
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